Teste Vocacional
Rio de Janeiro, 24/03/2025
1984
Era um prédio antigo perto do Largo da Carioca. A psicóloga me deu um bloco de testes para eu responder a lápis.
Muitos textos, várias questões, alguns cálculos, desenhos variados.
Era uma clínica que fazia orientação vocacional, para estudantes de 14 anos, que como eu, não tinham ideia do que queriam fazer da vida.
Do lado de fora eu escutava os sons do meu pai. O molho de chaves batendo no bolso. O seu pigarro.
E eu, assustada com aquela papelada na minha frente. Será que dava pra tirar nota boa? Aos 14 anos, eu estava preocupada em paquerar os bad boys que rondavam o colégio de freiras em que eu estudava.
Eu queria desenhar as personagens dos desfiles de moda que eu inventava e colocava vestidos esvoaçantes e penteados sofisticados. Iguais àqueles que eu via nas revistas de corte e costura que minha mãe tinha, mas não costurava nada.
Terminado o teste vocacional, aguardamos um tempo do lado de fora. A recepção repleta de pais e mães ansiosos para saber qual a vocação dos filhos.
Aqueles papéis diriam os nossos futuros!
A gente tinha que “ser alguém”. Então eu não era ninguém? Provavelmente, não.
A moça elegante, que não era a psicóloga, estendeu para meu pai um envelope grande com alguns papéis lá dentro.
Ele olhou para mim, abriu, leu e me entregou.
Naquele papel datilografado estava escrito que eu tinha aptidão para a escrita, para as artes, para as linguagens, para a persuasão e a comunicação.
Abaixo, uma lista de profissões que se encaixariam no meu perfil.
Direito, Publicidade e Propaganda, Educação, Artes Visuais.
Eu ainda iria para o ensino médio, antigo segundo grau. Então, papai me matriculou no Liceu de Artes e Ofícios, no curso técnico de Publicidade e Propaganda.
Eu logo entrei para o grupo dos nerds que andavam com blocos de desenho e revistas Mad embaixo do braço.
Lá fui apresentada a Neil Gaiman e Sandman. E outros autores que convivem comigo até hoje.
Ao terminar o projeto final da escola, ainda assim, eu não sabia o que fazer.
Fiz direito, fiz letras. Fiz até curso de auxiliar de consultório dentário. Pelo menos, hoje eu sei cuidar dos meus dentes.
Mas eu ainda sou a garota de 14 anos que só queria desenhar, ler revistas Mad e escrever histórias que ninguém vai ler.
Quem eu era e quem me tornei, são pessoas bem diferentes do lado de fora.
Por dentro, está tudo bem igual. Como deve ser.
Barbara Garrett